O mundo optou por abandonar aquelas reuniões de amigos que se repetiam
nas noites de sexta na casa de algum deles e amplificou o bate-papo para
uma esfera maior. Mudou e pronto – aos insatisfeitos resta se conformar
e, o quanto antes, se adaptar – ou se isolar, o que seria também
louvável. No entanto, uma consequência coletiva clara é o fim do sigilo
que cercava aqueles encontros, praticamente rituais pertencentes a algum
tipo de seita. Tudo podia ser dito entre os amigos. Entre os cinco, dez
que cada um mantinha. De verdades absolutas imutáveis (sem nenhum
sentido) a aberrações ofensivas e não repetíveis fora da proteção
daquela redoma.
O politicamente incorreto sempre transitou serelepe pela boca do
brasileiro sem muitas restrições. Por vezes, com muito exagero, outras
tantas com bastante desrespeito, mas fundamentalmente com muita malícia e
bom humor.
Hoje, se um carioca ou paulistano “dá uma sacaneada” nos habitantes
de Cuiabá, por exemplo, dizendo que aquilo fica no fim do mundo, os
patrulheiros da moral e dos bons costumes estarão lá para criticar. É a
Gestapo histriônica e hipócrita das redes sociais que não existiria
desprotegida dos monitores a serviço das autoestimas derrocadas dessa
gente sem perspectiva e sem bom humor. Pior é que essa coisa se
retroalimenta alimentada pelo contágio certeiro da babaquice
generalizada. Vale lembrar que gente pequena de alma e de caráter
recebe, absorve e se transforma: não consegue julgar nenhuma informação
nova que recebe.
Antigamente também existia esse tipo de babaca. Sua presença era mais
rara, contudo. Muito em função, até, de sua incapacidade de habitar os
ciclos irrompíveis das amizades sedimentadas pelo tempo (e não
digitalizadas) entre os pensantes. Não havia espaço para sua entrada e
para essas churumelas politicamente corretas. Hoje, não são
necessariamente os mesmo babacas de sempre, mas o estilo e a ideia que
os cerca são exatamente os mesmos. O problema é a amplitude e
amplificação de suas atitudes pequenas, selvagens.
Os politicamente corretos da geração digital parecem não dormir. Nem
cochilam, é possível crer. Estão “sempre alerta” para corrigir,
retrucar, acusar, emendar, delatar, culpar, incriminar; encher o caso,
enfim. Tratar por novos babacas parece bastante razoável no caso deles.
Nunca foram ouvidos por ninguém e agora tem holofotes digitais – que
alegria. Agora têm uma audiência qualquer que também se abstém de
racionar sobre seus escritos rasos, sem perspectiva, sem conteúdo ou
forma, sem caráter. Agora se deleitam com a repercussão de suas
asneiras. São tão superficiais que, até mesmo, quando o destino lhes
sorri e algo que presta se propaga entre suas querelas faz sentido, seu
histórico de tolices e disparates cuspidos indiscriminadamente, elimina
seu efeito dado que a obra é do acaso e não da ação de seus neurônios
inertes.
Nesse universo em que relações rasas se avolumam no contador
ensandecido de amigos, a porteira está arregaçada e livre para a entrada
desses parasitas da informação. Isso trouxe um sentimento geral de que a
qualquer momento vai aparecer alguém enchendo o seu saco e dando uma
opinião sobre qualquer assunto que se resolva comentar. Gostar ou não
gostar de algo deixou de ser direito adquirido. Ai daqueles que se
atrevem a se opor a opiniões óbvias e fúteis e se contrapor a essa horda
vigilante.
Os argumentos são e serão os mais diversos, sempre disfarçados sob
essa máscara sofista de uma suposta padronização da moral e dos bons
costumes, que simplesmente é impossível pela própria definição de
sociedade. Uns dissimulados, é claro. Passam a impressão de que usam a
pouca responsabilidade das teclas que os interligam ao mundo exterior
para compensar o arremedo de vida que conquistaram. Para tentar
lidar com seu amor-próprio minúsculo: baixo como sua capacidade de
pensar fora da redoma de arquétipos que balizam sua pequenez.
Não resta alternativa. Enfrentá-los é um dever de qualquer um que
tenha a oportunidade. Rebaixá-los ainda mais é o que resta, dado que não
há esperança de recuperação. São estupradores do respeito ao outro. São
usurpadores da liberdade de pensamento. Não é preciso queimá-los, pois
uma inquisição desse tipo os agraciaria com uma imerecida relevância.
Ignorá-los e, ainda assim, demonstrar sua insignificância os matará de
inanição. O prazer de ver sua depauperação será perene.
Uma chacoalhada, às vezes, não fará mal a essa subespécie. Eles
merecem qualquer tipo de tratamento malfazejo. O mais importante,
contudo, é que enquanto os que raciocinam e não se deixam subjugar por
essa doutrina do medo mantiverem seu pé firme fincado junto a suas
opiniões – palatáveis, controversas ou socialmente inaceitáveis –,
assistir-se-á todos os dias a esse amontado de vermes repugnantes
exaurir-se até um completo e merecido perecimento. Que o que dizem se
esmaeça com o passar das estações tal qual rabiscos de tinta de
qualidade inferior num papel pouco nobre esquecido no mais velho e
abandonado dos baús entregue à poeira do tempo.
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